Auschwitz-Birkenau (5)
Bloco 10 (II)
Ainda com a imagem daqueles prisioneiros que, numa espécie de canibalismo imposto, a tiritar de frio se enrolavam nos amigos ou familiares, dirijo-me a outra sala e afasto-me daquela rebuscada dança macabra.
Mas na sala onde entro o choque recebe-nos à porta. Do lado diametralmente oposto fitam-me milhares de crianças a serem descarregadas dos vagões numa imensa fotografia a preto e branco que acaba apenas porque a parede assim o impôs. A olharem com desespero para a sua passividade infantil vemos as respectivas mães tentando, num berro que agora não se ouve, libertá-las da fábrica da morte.
Esta é a sala a que normalmente chamaríamos "sala dos brinquedos", não fosse a restante envolvente. É ali que estão as crianças pequenas, os bebés, as bonecas, as rocas e outros objectos que são familiares a qualquer credo que ali entre. Mas, nunca, numa sala onde se respira a tenra idade, me tinha dado para chorar.A imagem é demasiado forte e faz mal!
Uma das bonecas de cerâmica de olhos azuis e faces rosadas exposta na mesa de vitrine tem a cabeça desfeita em 4 pedaços. Olha para nós, mas tudo o que consegui ver foi os olhos da criança que para lá a terá levado. Ao seu lado, uns sapatinhos que normalmente agarramos com a delicadeza de dois dedos e que por aquelas paragens terão sido severamente maltratados.Ali quase tudo é em formato pequeno. Até a nossa própria alma. Grande, só a imensa bola que me cresceu no estômago e que, de composição desconhecida, me faz emprenhar de ansiedade sempre que à sala volto.
Pelas paredes, ao nível dos olhos, casaquinhos de lã amarelados pelos anos, contrastam com as fotografias que estão expostas mais acima de rapazes e raparigas que, de pijamas às riscas negras e brancas, espelham o quão insuportável também foi a vida naquelas idades. Em salas destas, cheias de crianças, vêem-se sorrisos. Ali nem um. O meu que me costuma acompanhar por todo o lado ficara lá fora ao portão.
(continua)