Auschwitz-Birkenau (4)
Bloco 10
Desço as escadas do primeiro bloco e dirijo-me para a saída. Olho sobre o ombro com vontade de confirmar que nenhum dos que atrás me seguem têm riscas em fazenda grosseira e acabo por ver que trazem tatuada na cara a mesma amargura desbotada que eu. Lá fora um grupo de militares da força aérea Israelita fecha-se em círculo. Inspiro sôfregamente até bater no resto da ansiedade que ficara no diafragma e avanço um pouco mais. Não lhes podia mostrar que não ficara indiferente ao primeiro dos blocos, aquele que serve apenas de apresentação. Fito-os nos olhos para lhes roubar a coragem e reparo que aqueles homens, que usavam uniformes já gastos, tinham nas rugas lágrimas de crianças pequenas. Deixei o orgulho de lado e fui à procura do que viesse já sem me interessar com defesas rídiculas.
Entro no próximo bloco. O bloco 10, onde Mengele fez a maioria das suas experiências mais macabras. Já nada resta dele. Apenas uma foto sua a preto e branco entre um grupo de crianças que escolhera na rampa de Birkenau sabe-se lá com que intenção. Nada do que agora ali é exposto lhe pertence, mas eu olho para ele e ainda o vejo a sorrir. Aqui as vitrines também estão cheias. Panelas e utensílios de cozinha utilizados pelo prisioneiros e que eram na maior parte das vezes a sua única riqueza e moeda de troca. Pentes. Milhares de pentes. Uma vitrine repleta de latas vazias de Zyklon B, o gás utilizado nas câmaras de gás e cujo logotipo" Degesch" eu tão bem conheço de Portugal. Na outra divisão as pessoas demoram-se mais: uma tonelada de cabelo numa mancha negra imensa enchem uma das maiores vitrines ali patentes. Milhares de pessoas ali naqueles biliões de fios de cabelo. Das amostras dali retiradas todas acusaram resíduos de Zyklon B. Aqueles cabelos tinham resisitido até ao último momento, até ao último segundo da "solução final" onde eram previamente rapados antes dos seus respectivos corpos irem a banhos.
Ao lado dessa vitrine, uma outra mais pequena com um tear e uma manta. O tear de aspecto cansado servira para tecer, daqueles e de outros cabelos, mantas. Mantas pobres e fibrosas de milhares de milhões de cabelo humano. Mantas que eram depois distribuídas em Birkenau pelos prisioneiros que de frio tiritavam e que jamais poderiam imaginar no que se iriam enrolar.
O ser humano não consegue ser assim tão macabro ou pelo menos assim pensava eu...
(continua)