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República do Caústico

Auschwitz-Birkenau (3)

02.02.10, João Maria Condeixa

Arbeit  Macht Frei

A manhã rasgou ansiosa e o Sol de Outono tirou-me cedo do carro. Espreguicei-me o mais que pude como se pudesse adivinhar que dentro do campo iria mingar a cada passo. Birkenau ficaria para mais tarde. Havia que começar pelo princípio: Auschwitz I.

Deixei-me acumular a um pequeno grupo e foi com eles que dei os primeiros passos pela  passadeira de gravilha. A receber-me de braços abertos estava o portão que me prometia libertar pelo trabalho. Mas eu era turista e não tencionava mexer um músculo que fosse, à excepção do cardíaco que teimava em se fazer ouvir. Talvez por isto tenha ficado seu cárcere.

 

Segui em frente, mas logo nos primeiros metros fui separado do meu grupo. Não por Mengele, o Anjo da Morte, mas por um silêncio que não percebi onde era fabricado. A partir daí cada um de nós, por muito junto que estivéssemos, visitaria o campo sozinho.

Logo no primeiro bloco a ansiedade deixa de ser engolida e passa a entrar sem convite. E será ela que a partir daí nos guiará. Assim como assim, a minha guia insistia em falar  cada vez mais baixo e os meus guide-phones pareciam estar demasiado alto. Não havia já meio termo para nada.

Pelas vitrines, cartas manuscritas entre oficiais e listagens da "mercadoria" chegada. Um rol infindável de nomes sem rosto. Numa das salas um mapa a cobrir uma parede completa mostrava como a Europa convergira para um só sentido: Auschwitz. Ali estava traçada a imensa teia férrea que capturara mais de um milhão de pessoas que sem se aperceberem  acabariam por protagonizar a "solução final".

E foi assim, de sala em sala, de bloco em bloco, que fui vendo as montras mais tristes. Amontoados de óculos de arame, milhares de sapatos sem dono, sem número. Uns abandonados pelos pés ainda em pequenos, outros retirados dos corpos sem vida. Pilhas de malas riscadas com giz. Às centenas, com datas. Com nomes. À minha frente, embasbacado na vitrine embaciada pela respiração, estancara um turista em busca de alguém.

E é nestas alturas que a alma apertada cospe a ansiedade e os olhos humedecem. Simples idiotas que tão pouco resistem a uma visita. E eu que não buscava ninguém, já nem a mim me encontrava.

(continua..)

 

 

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